EXMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE DE CACONDE
Processo nº [número do processo] - Ação Previdenciária
O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, por seu procurador do quadro permanente ao final assinado, com mandato ex lege, vem, mui respeitosamente, à presença de V. Exa., nos autos do processo em epígrafe que lhe move [nome do autor]apresentar sua CONTESTAÇÃO, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:
1.Trata-se de ação na qual o AUTOR pleiteia a condenação do RÉU a reconhecer e a averbar alegado tempo de serviço prestado quando o AUTOR tinha menos de 12 (doze) anos
2.Sustenta o AUTOR que a norma que proíbe o trabalho da criança é norma a ela protetiva e, portanto, não poderia prejudicá-la.
3.Sem razão o AUTOR.
4.Com efeito, o deslinde do feito reside na análise dos seguintes tópicos:
a)da expressa disposição constitucional a respeito da matéria;
b)da impossibilidade de custeio;
c)da inexistência de relação jurídica entre AUTOR e RÉU;
d)da tenra idade do AUTOR; e
e)da indenização frente ao causador do dano, o ex-empregador (no caso, o PAI do AUTOR)
f)do pedido de expedição de certidão e de pagamento de multa
5.Vejamos, assim, cada um desses tópicos de forma detalhada.
a)da expressa disposição constitucional a respeito da matéria
6.Pretende o AUTOR derrogar a norma constitucional (art. 165, X, da CF/67-69), que proibia o trabalho de menores de 12 (doze), para que lhe seja computado o tempo de serviço que alega ter prestado.
7.Como é de nossa tradição jurídica, o ato ilícito não produz efeitos.
8.Assim, não há como pretender que o suposto trabalho realizado possa produzir o efeito jurídico almejado, dada a sua ilicitude.
8.1.A jurisprudência trabalhista já está pacificada no tocante à impossibilidade de proteção àqueles que exercem atividades ilícitas, tal como ocorre com o apontador de jogo de bicho.
8.2.No caso concreto, a situação é ainda mais grave, uma vez que a norma que violada é constitucional (art. 165, X, da CF/67-69).
9.Assim, não pode o pleito do AUTOR ser provido.
B)DA IMPOSSIBILIDADE DE CUSTEIO
10.Como é da mais trivial sabença, o nosso sistema previdenciário é o CONTRIBUTIVO. Nossa Constituição é expressa:
"Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição atenderão, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidente de trabalho, velhice e reclusão;
(...)"
(original sem destaques)
11.Assim, somente quem CONTRIBUI pode pretender a concessão de benefícios previdenciários.
12.Ocorre, porém, que A LEI pode deixar de exigir a prova do EFETIVO recolhimento da contribuição, tal como o faz para os empregados. Mas isso não significa, de maneira alguma, que eles não contribuam, nem tampouco que a lei possa deixar de lhes exigir contribuição, sob pena de violação do art. 201 da Constituição Federal.
13.Assim, uma vez que as contribuições decorrentes do suposto trabalho do AUTOR não poderiam ser cobradas, NEM MESMO POTENCIALMENTE, não pode o AUTOR pretender o cômputo desse mesmo trabalho, sob pena de violação não apenas do art. 201 da CF/88, mas do próprio equilíbrio atuarial que deve existir na previdência social.
14.Assim, também por tais razões, não pode o pleito do AUTOR ser atendido.
c)da inexistência de relação jurídica
15.Como é da mais comezinha sabença, a ação declaratória se presta a reconhecer a existência de uma RELAÇÃO JURÍDICA.
16.Nessa toada, o pleito de condenação do RÉU a averbar e computar o tempo de serviço somente pode decorrer da declaração de existência de relação jurídica entre o AUTOR e o RÉU.
17.Porém, é evidente que NO TOCANTE AO PERÍODO QUE O AUTOR PRETENDE COMPUTAR, INEXISTIA QUALQUER RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O AUTOR E O RÉU, EXATAMENTE PORQUE O TRABALHO ERA ILÍCITO.
18.Assim, não pode o período relativo a trabalho ILÍCITO ser computado, exatamente porque àquela época, não havia qualquer relação jurídica entre as partes. É o óbvio.
19.Portanto, também por mais essa razão o pleito do AUTOR deve ser improvido.
d)da tenra idade do autor
20.Não é crível que uma criança de 9 (nove) anos tenha a mesma produtividade de um adulto. Não é possível, assim, que a sociedade venha a pagar por um trabalho muitíssimo menos produtivo de igual forma que por um produtivo.
21.Além disso, o cômputo de trabalho, prestado em qualquer idade, para efeito de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, constituirá em TERRÍVEL PRECEDENTE.
22.Com efeito, se hoje as pessoas já estão se aposentando por tempo de serviço aos 40 (quarenta) anos, em razão do "tempo especial", imagine se puder contar o tempo de "trabalho" como criança! Bem, aí poder-se-ia aposentar ainda mais cedo.
23.Na verdade, são discrepâncias como esta que dão munição para aqueles que querem acabar com a aposentadoria por tempo de serviço no Brasil. Só resta lamentar.
e)da indenização frente ao causador do dano, o ex-empregador (no caso, o PAI do AUTOR)
24.Diz o AUTOR que a norma violada por ele mesmo e por seu ex-empregador lhe era protetiva. Pretende, assim, que a autarquia previdenciária pague por ato ilícito do AUTOR e de seu ex-empregador, que no caso concreto era o seu PAI (cf. consta da inicial, o empregador era a [nome da empresa] vide fls. 16: o Sr. [nome da pessoa] é o pai do AUTOR!).
25.Acrescenta, ainda, que o seu trabalho não foi coibido por fiscal do trabalho.
26.Com a devida venia, não é razoável que aqueles que afrontaram a lei de forma expressa venham a ser beneficiados.
27.Ademais, com devido respeito que todos merecem, o melhor fiscal é a família. Se o próprio pai do AUTOR não coibiu seu trabalho e, muito ao revés, o determinou, inexiste, no mundo, qualquer fiscal que conseguisse impedir o alegado trabalho.
28.Assim, se o AUTOR entende que sofreu dano causado pelo trabalho em tenra idade, deve buscar a justa indenização CONTRA O CAUSADOR DO DANO e NÃO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL, uma vez que esta não cometeu ato ilícito algum. Ou cometeu?
29.À toda evidência, o Judiciário deve, de forma pedagógica, propugnar pelo cumprimento das leis. Se condenada a autarquia previdenciária em razão de ato ilícito cometido pelo ex-empregador do AUTOR, ter-se-á um INCENTIVO a que outras pessoas façam o mesmo, levando mais e mais crianças ao trabalho, o que deve ser coibido, seja em razão do disposto na lei, seja por uma questão se singelo humanismo.
F) DO PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO E DE PAGAMENTO DE MULTA
30.Ainda que Vossa Excelência, a despeito dos diversos motivos acima, decida prover o pedido do AUTOR, resta evidente que não é necessário que o RÉU averbe o pedido em qualquer lugar ou expeça qualquer certidão.
31.Com efeito, uma vez declarado, por sentença, a exisência e o cômputo do trabalho do AUTOR para fins previdenciários, é inócua a expedição de qualquer certidão, pois a sentença vale por si.
32.Com a devida venia, isso é óbvio. A certidão do INSS não é uma cártula! Ou é?
33.Por tais razões, é totalmente descabido o pedido de expedição de "certidão" por parte do RÉU (se o AUTOR vencer a demanda, já terá a sentença), bem como imposição de "multa" para atraso na emissão da inócua certidão.
Isto posto, requer o RÉU seja a presente ação julgada IMPROCEDENTE em todos os seus termos, condenando-se o AUTOR no pagamento de custas, honorários advocatícios e demais cominações de estilo.
Pretende provar o alegado por todos os meios admitidos em direito, sem exceção de nenhum, especialmente depoimento pessoal do autor, sob pena de confissão.
Termos em que pede deferimento,
São João da Boa Vista, 24 de abril de 1.998.
Bruno Mattos e Silva
Procurador Autárquico
OAB/SP 130.438 - matr. 1.218.738
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